sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O perigo da maquiagem verde



Depois de provocar inúmeros desastres ambientais e sociais ao Espírito Santo e a Minas Gerais, com a construção da Usina de Aimorés, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) anunciam investimentos da ordem de R$ 2,6 milhões para o que consideram um grande projeto de arborização da região. A estratégia nada mais é do que a política da maquiagem verde, muito utilizada por empresas poluidoras para camuflar seus impactos ambientais e vender uma pretensa imagem positiva. Mas, na prática, trata-se muito mais de investimentos em publicidade do que em soluções ambientais.
Na verdade, o que a Cemig e a Vale estão fazendo nada mais é do que sua obrigação, conforme determinado em condicionantes impostas no licenciamento ambiental, até então consideradas letras mortas pelas empresas. Agora, posando de defensoras do meio ambiente e como socialmente responsáveis, afirmam que inauguraram um parque botânico e núcleos arqueológicos na usina, e que vão plantar 68 mil árvores da mata atlântica, em projeto de arborização urbana, como se fossem iniciativas próprias. Tamanho é o descaramento que apontam investimentos na região desde 2003, quando o que se vê são somente impactos ambientais e sociais irreversíveis. É mais do que sabido que a construção da Usina de Aimorés foi marcada por muitas irregularidades e enormes prejuízos para as localidades diretamente afetadas - o município capixaba de Baixo Guandu, e os de Aimorés e Resplendor, no estado vizinho.
Houve manobra das empresas, com a participação do governo mineiro, para tirar a barragem e a casa de força do Estado, onde tecnicamente deveriam ser construídas. Na época, a Cemig recomendou que a construção da barragem fosse descolada para 12 quilômetros acima do local ideal. Buscou, assim, fugir à responsabilidade de dividir com o Espírito Santo o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a ser gerado pela hidrelétrica, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O ICMS é calculado em R$ 2,5 milhões a R$ 3 milhões, mensalmente.
Mesmo que, para isso, fosse necessário alagar uma área de 2.200 hectares, pelo menos três vezes maior do que seria preciso caso fosse construída no Estado, na divisa com Minas Gerais. A usina secou 12 quilômetros do leito do Rio Doce, inclusive em Baixo Guandu, somente durante sua construção. Atingiu, pelo menos, 120 propriedades rurais em Minas. Os proprietários lutam até hoje para serem indenizados pelo consórcio e chegaram a criar a Associação dos Proprietários Rurais Atingidos pela Usina Hidrelétrica de Aimorés (Aprapuha).
Nem mesmo todas essas irregularidades foram suficientes para que a Cemig e a Vale cumprissem os compromissos assumidos para o licenciamento da obra. Anos depois, por não cumprirem condicionantes para operar a usina, foram multadas em R$ 400 mil por prejudicar pescadores e doceiras. As empresas não implantaram programas ambientais voltados para estas comunidades, como determinado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Também não tinha ainda implantado o "Projeto de Monitoramento do Papagaio-Chuaá (Amazona rhodocorytha)", espécie ameaçada de extinção, e nem apresentado o Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial".
Muito menos garantiu a colocação de bombas e filtros, para assegurar o fornecimento de água potável para uso humano e animal, em todas as propriedades rurais. Os sistemas instalados são de péssima qualidade, alguns com emprego até de bambu como encanamento. Estradas também não foram construídas em muitos pontos essenciais para garantir o deslocamento dos moradores.Como se não fosse o bastante, o consórcio cortou árvores que dizia não existir nas margens do rio. Nos períodos de seca, durante cerca de 10 meses por ano, a cidade de Aimorés perde o rio em sua frente, reduzido a cerca de 10% da vazão. Nos períodos de cheia, pelo antigo leito do rio vai passar toda a água do Rio Doce, pois as comportas serão abertas para dessassorear a entrada do canal. Há previsão de que em 20 anos restará apenas o canal da usina e que o restante da área alagada estará assoreado, impedindo a produção.A construção de uma escada para peixes na usina, permitindo a migração durante a piracema, não impediu que outras espécies, como lontras e capivaras, fossem afetadas pela barragem, pois a usina foi feita entre a pedra da Lorena e a ferrovia e a rodovia. Assim, peixes entre a Usina de Aimorés e a Usina de Mascarenhas - esta da Escelsa Energias do Brasil - só a tilápia, espécie exótica. Os nativos, robalos, dourados, cascudos, traíras, grumatãs, entre outros, desapareceram. Da mesma maneira, a ex-famosa Cachoeira do Raio, no município de Baixo Guandu, com menos de 10% da água que corria no local, virou um esqueleto de pedras.
Diante de tantos estragos, os moradores da região vivem apreensivos e contabilizando prejuízos, sem nunca terem sido assistidos pelas empresas. Portanto, os capixabas devem atentar para que não sejam ludibriados pela maquiagem verde, promovida pela maioria das empresas poluidoras, com anúncios de novos sistemas de gestão ambiental e programas de responsabilidade social.O que está em jogo são muitos milhões em propaganda enganosa, que não valem a pena, pois efetivamente não solucionam os problemas causados por estas empresas.
Trata-se tão somente de um marketing sujo e detestável.
Esta coluna está sendo publicada excepcionalmente nesta quarta-feira, pelo que peço desculpas. Comentários:
manaira@seculodiario.com

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